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O jongo é uma tradição de origem bantu enraizada na região de Congo-Angola, e deslocada para o Brasil a partir do processo de diáspora africana, desencadeada pelo regime escravista vigente nas Américas. A civilização bantu fora, então, denominada para trabalhar nos garimpos de mineração e nas fazendas de lavoura de café do sudeste brasileiro. Evidentemente que o contexto da população negra nessas fazendas e garimpos era de extrema opressão, e uma das formas de aliviar e excomungar as situações de violência simbólica e física ali vividas foi através de cantos embalados por tambores e dança. Esse canto de origem bantu, que se mesclou à língua portuguesa, é mais conhecido como “ponto” e, no caso, se trata do “ponto de jongo ou caxambú”. Conforme nos aponta um estudo realizado no município de Vassouras, vizinho de Pinheiral: "O caxambú era uma oportunidade de se cultivar o comentário irônico, freqüentemente cínico, acerca da sociedade dentro da qual os escravos constituíam um segmento importante. (...) Dentro desse contexto, os jongos eram canções de protestos, reprimidas, mas de resis-

tência."

 

Dessa forma, muitos pontos de jongo eram entoados para narrar uma situação cotidiana, uma violência sofrida ou uma conquista almejada. Portanto, o ponto detinha, e ainda detêm, o valor de crônica cotidiana relatando, de forma direta ou metafórica, o contexto dos negros e negras que trabalhavam na lavoura de café e nos garimpos de mineração. Para muitos jongueiros, o ponto de jongo configurado num evento composto por tambores, circularidade e dança, é considerado como um evento mágico, que transforma o ambiente circundante ao invocar a palavra por meio da cantoria e dos tambores. Na dissertação de mestrado da historiadora e jongueira Alessandra Ribeiro, encontramos uma série de depoimentos coletados por Maria de Lourdes B. Ribeiro, dentre os quais um jongueiro da cidade de Taubaté narra uma fuga que muito se assemelha às fugas de escravos das fazendas e garimpos: "O Senhor e o Deus Menino andavam perseguidos pelo Diabo. Fugiam apavorados quando encontraram uma grupo de negros dançando Jongo. A convite dos negros, eles se esconderam no meio da roda e por arte dos feiticeiros a roda se fechou de tal modo que o Diabo passou e não viu os fugitivos. O Senhor e o Deus Menino puderam assim prosseguir a viagem. Antes, porém, abençoaram o jongo, dizendo que essa dança daí pra frente seria uma dança sagrada."

 

 

É nesse sentido que o documentário contrói sua narrativa: a partir dos pontos de jongo entoados pelos mestres jongueiros entrevistados. Em outras palavras, alimenta uma linguagem cinematográfica baseada na linguagem dos pontos – que é a própria linguagem jongueira – visto que estes carregam consigo um sem número de histórias, além de se articularem, na roda de jongo, conforme uma narrativa própria: existem os pontos de louvação e saudação, que iniciam a roda e saúdam os ancestrais e guias jongueiros, os de visaria, que alegram a roda, os de lamento, que retomam o período do sofrimento gerado pela escravidão, os pontos de demanda, para um jongueiro mostrar seu conhecimento para outro, os de grumenta, que se referem aos momentos de luta, briga e resistência da comunidade negra, os de encante, para invocar forças mágicas para a roda de jongo, e, por fim, os pontos de despedida, que encerram as rodas.

 

 

O PONTO DE JONGO: DA ORIGEM À COMPOSIÇÃO FÍLMICA 

By Julia Botafogo

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